sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Sintonizar o ideal

   O mestre exemplifica um pontapé e pede-nos para repetir. Nós repetimos, e ele diz:

"Não, não, mais baixo, assim expões-te muito."
 
   Tentamos outra vez.

"Não, assim não consegues avançar."

   E outra vez.

"Não, agora está novamente demasiado baixo, mas já está a ficar melhor."

   E outra vez.

"Pronto, estamos a chegar lá, mas agora é preciso lançar mais."

   Isto é o exemplo de uma conversa para ensinar a lançar um yoko-geri. O pontapé em si, aquele que tentamos alcançar, é um arquétipo, algo inatingível que toca a perfeição, e como temos ideia do que queremos, mas não sabemos ainda como lá chegar, vamos sintonizando o corpo para captar esse ideal, tentativa a tentativa, aproximando-nos cada vez mais, até que subitamente a música começa a fazer sentido e sabemos que estamos no bom caminho.

Sempre à procura do ideal.
  
 

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Emoções e Sentimentos

   Hoje em dia tratamos emoções e sentimentos como se fossem sinónimos, mas isto não é verdade. 

  • Uma emoção é uma resposta breve, intensa e involuntária. Como exemplos de emoções temos medo, raiva, alegria, tristeza, nojo e surpresa. As emoções também podem surgir na convivência com os outros, como é o caso da vergonha, da inveja, da simpatia, do orgulho ou da gratidão.
  • Um sentimento é uma reacção duradoura, subtil e consciente. Nesta categoria encontramos o amor, a coragem, a honra, a justiça, a confiança, o perdão, e tudo aquilo que faz de nós Humanos.

   Julgo que a interiorização desta distinção é essencial para o desenvolvimento de qualquer Karateca porque, se o que nos faz ir aos treinos são as emoções e não os sentimentos, mais tarde ou mais cedo a chama apaga-se, e acabaremos por desistir.

As cinco emoções básicas: alegria, raiva, medo, tristeza e nojo.
Embora todas façam parte do ser humano, não podem ser elas a guiar as nossas acções.
(Personagens do filme Inside Out)


   

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

O início do Caminho

   O início do Caminho é sempre difícil. Tentamos fazer coisas novas, em posições estranhas, sem qualquer noção da forma correcta de as fazer. E como poderia não ser difícil se a própria palavra nos diz que difícil é tudo aquilo que ainda não alcançámos?

   No início, tudo parece correr mal, o corpo dorido não quer obedecer e somos constantemente corrigidos pelo nosso mestre. Podemos carregar às costas todos os fracassos, ou podemos transformar cada erro num degrau, e usá-los para chegar cada vez mais longe. 

   Qualquer início é um desafio de humildade, de coragem e de entrega.

   No fundo, é como se fossemos exploradores de uma caverna escura, seguindo as indicações de um aventureiro mais experiente. Ele não pode percorrer o caminho por nós; pode apenas fazer os possíveis por se colocar no nosso lugar, vivenciando as mesmas dificuldades que nós, e procurando na sua experiência uma forma de as solucionar.

   Indicações para os aventureiros do Caminho:
  • Deves perguntar toda e qualquer dúvida. Certamente que não é tão parva como julgas.
  • Errar é a única forma de aprender, habitua-te a isso.
  • Segue as indicações cuidadosamente até descobrires o teu próprio estilo.
  • Vai com a mochila vazia. Preconceitos só te vão atrasar.
  • Confia no teu mestre, nos teus companheiros, e em ti próprio.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Chicotada

Mestre Tetsuji Murakami
   Por entre as muitas variações que as técnicas podem assumir, há sempre alguns princípios que nunca mudam. Um deles diz-nos que devemos ir à origem. De uma perspectiva tecnicista, isto faz todo o sentido. É mais eficaz defender um ataque que ainda não se manifestou, do que um que já ganhou força e velocidade e vai-nos partir os ossos se os metermos no seu caminho. Esta forma de pensar, a de procurar a origem, traz consequências interessantes. Primeiro que tudo, não dá lugar para movimentos largos e desnecessários. Tudo são linhas o mais rectas possível. Se o objectivo é atingir o alvo, ou o pontapé vai directamente ao seu encontro (como no mae-geri), ou então desenrola-se pelo caminho mais curto (como no mawashi-geri). E este desenrolar é como uma chicotada que trás uma força incrível.



quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Tsuki

   Tsuki (突き)  é o nome dado ao ataque básico no Karate. De punho cerrado, é uma estocada rápida como uma lança que parte do hara (centro), vai direito ao alvo e atravessa-o. No Shotokai, é recomendado que o punho seja o mais apertado possível, com o dedo médio flectido de forma a que o nó do dedo esteja ligeiramente mais protuberante que os restantes. Há quem deixe ainda o dedo indicador esticado para dentro da mão, de forma a impedir que os restantes dedos recuem no impacto.

O punho deve estar tão direito quanto possível, com a ponta do nó do dedo alinhada com o resto do braço pois qualquer inclinação fará com que ele se vire no impacto.

   Tsuki pode ser feito de mil e uma maneiras, com nomes tão inspirados como Yama-tsuki (tsuki montanha), ou Kagi-tsuki (tsuki gancho) porém, o mais importante não é tanto a forma mas sim o que está por trás.

   Um tsuki realmente eficaz é o que o próprio nome indica, uma estocada, e surge da fusão de dois opostos:

   Total relaxamento do corpo + Total concentração do punho

   Estaremos no bom caminho se compreendermos isto, mas, claro, depois faltará toda a componente energética, emocional, mental e espiritual. Sem isso, o tsuki não é um verdadeiro Tsuki, uma força que termina a violência e trás a paz.

Tsuki é uma estocada feita com uma lança imaginada.
 www.warriorway.net



sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Zanshin

   Imaginem-se numa festa de casamento com crianças a brincar e muita agitação. Enquanto contam as últimas novidades aos vossos amigos, uma criança tropeça, vocês agarram-na antes que se magoe e, sem quebrarem o raciocínio, continuam a contar o resto da história. O estado mental necessário para conseguir isto chama-se Zanshin (残心), a "mente restante", e é essencial para o Karate.

   Zanshin caracteriza-se por uma mente aberta, disponível, ligada a tudo. Para alcançar algo assim, é essencial começarmos por relaxar o corpo e serenar a visão. Os "olhos" da mente em zanshin não ficam presos pelas formas físicas mas vêem mais além, atrás, por cima, estão atentos a tudo. Em combate, é ela que nos permite enfrentar vários oponentes ao mesmo tempo.

Isto, por exemplo, não é zanshin. Se alguém surpreendesse o amável Daniel-san pelas costas,
provavelmente não se conseguiria defender.

   O estado de zanshin é próprio da mente superior, aquela que usamos para expressar os valores mais altos como o Amor e a Coragem. É por isso que ela não deve ser perturbada pelas preocupações que surgem na luta do dia-a-dia.
     
   Zanshin não é um conceito exclusivo do Karate, e existe em muitas outras artes marciais Japonesas como o Kyudo, o Kendo ou o Aikido. Por exemplo, no Kyudo, zanshin pode ser visto quando o praticante, após lançar a flecha, continua a acompanhá-la mentalmente através do alvo, para dentro da terra, até ao  infinito.

Largada a flecha, resta acompanhá-la até ao alvo.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Coragem


   Coragem e perigo costumam vir de mão dada - a coragem é aquilo que nos leva a enfrentá-lo, mas no mundo real, não costuma ser assim tão simples. Vejamos o exemplo no kumite. Colocamo-nos à frente do nosso oponente, relembramos a técnica, estamos atentos aos seus movimentos, e até podemos defender o ataque perfeitamente sem ter tido um pingo de coragem. Isto porque não tivemos que nos enfrentar a nós próprios. No kumite, a coragem vê-se nos pequenos pormenores, encarar com serenidade o olhar do oponente, manter a ligação com ele durante todo o combate, não apenas antes de ele atacar mas depois de defendermos.

   Coragem exige entrega, confiança, humildade e constância.

   É preciso imensa coragem para sermos verdadeiros connosco próprios, com o que sentimos estar certo, porque se fizermos isso, iremos inevitavelmente chocar com os outros. Como muitos já o disseram de maneiras diferentes "Se todos te adoram, algo está errado." Isto porque é impossível corresponder a todas as concepções que criaram de nós próprios.

   Coragem é o que nos leva a enfrentar o erro, não quem errou. É saber separar o pecado do pecador, e ter a humildade e a sensibilidade para destruir o pecado e deixar o pecador intacto.