quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Lado a lado

  O sensei chamou-me e pediu-me para ajudar uma companheira. Disse que podia fazer o que achasse melhor e largou-me à confiança. Eu, sem saber muito bem o que fazer, aproximei-me e coloquei-me ao lado dela, e ela pensou que era para continuarmos frente a frente, e eu voltei a mexer-me, e ela também, e corrigi-a com as mãos e com a voz, e ainda nem tinha começado o exercício já estava a dar-lhe um mau exemplo. Isto porque, se queremos realmente ajudar alguém, devemos seguir uma estratégia muito mais simples:

   Primeiro que tudo, temos que ligar-nos ao outro. Isto pode parecer complicado mas é na verdade muito simples. Deixemos as palavras por um instante e usemos os gestos e o olhar. Sim. Um simples olhar dizendo "estou aqui para te ajudar" é suficiente. No karate, ligarmo-nos com alguém muitas vezes dá a sensação que estamos a dançar com a outra pessoa, seguindo atentamente e imitando os seus movimentos.
   
   Segundo, temos que dar o melhor exemplo possível. Nada transmite melhor uma mensagem que uma acção, e se executarmos a técnica da melhor forma possível, com uma atitude e postura correctas, sem movimentos parasitas nem sorrisos inseguros, então é certo que a pessoa que tentamos ajudar aprenderá muito mais depressa.

   Se quisermos corrigir um pormenor, devemos fazê-lo de forma  simples e límpida. Se é preciso endireitar a postura do outro, então endireitamos nós a nossa postura de forma a que ele repare. Se queremos mostrar que a mão tem que sair antes do corpo, então podemos fazê-lo em câmara lenta, focando toda a nossa atenção na mão que sai.

   As palavras que usamos pouco ou nada acrescentam à mensagem que o corpo já está a transmitir. Ao falarmos, estamos a injectar na outra pessoa energia desnecessária.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Reformar

   À medida que crescemos, vamos adquirindo uma forma à qual passamos a chamar nossa. O problema é que esta forma foi moldada pelas circunstâncias do passado e tem tanto de nós como do acaso. Não escolhemos o país, a família ou o corpo em que nascemos, e tudo isso molda a personalidade mais do que a nossa própria vontade.

   Quando uma planta de casa não é rodada, o normal é crescer torta, virada para a janela mais próxima, com muitas folhas de um lado e poucas do outro. A solução neste caso é começar a rodá-la, mas as consequências do nosso desleixo continuaram. E se, em vez de actuarmos numa base defeituosa, pudéssemos reconstruí-la de raiz? É isso que o Karate pretende fazer.

   Todos os treinos procuram desfazer a forma em que nos tornámos e que foi sujeita ao acaso para a podermos esculpir de acordo com a nossa vontade, apontando sempre para o máximo das nossas capacidades.



segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Amigos, amigos...

   A amizade que mantemos com os nossos companheiros dentro do dojo pode muitas vezes virar-se contra nós. Se estamos a treinar lado a lado, a tentação para nos desconcentrarmos é grande, mas quando nos pomos frente a frente no kumite é ainda maior. Olhar um companheiro nos olhos e atacá-lo com intenção é difícil. Mais fácil será falar com ele, aligeirando o que de outra forma seria uma situação séria. O problema é que assim esquecemos que estamos a treinar para uma situação real onde o nosso oponente muito provavelmente não quererá falar connosco.

   Amigos, amigos... treinos à parte.

"Gigo" Funakoshi contra Shigeru Egami.