sábado, 26 de julho de 2014

Força centrífuga perigosa

   Se tomarmos como ponto de referência o nosso oponente, existem dois tipos de força que podemos aplicar durante o kumite:

Símbolo de
 concentração de energia
   A força centrífuga atira-nos para o lado e coloca-nos numa posição perigosamente desequilibrada. Se toda a nossa energia estiver a ser gasta a empurrar o oponente, então bastará um pequeno toque para cairmos juntamente com ele. Esta é uma força que nos afasta uns dos outros e que não tem lugar no kumite, onde o objectivo é a ligação que mantemos com o oponente.

   A força centrípeta aproxima-nos do nosso oponente. Ele avança e nós reconhecemos o seu esforço e avançamos ao seu encontro, parando o ataque ali mesmo, junto ao seu centro. Esta é uma força que concentra energia em vez de a dispersar, logo é mais eficaz e duradoura que a força centrífuga.


terça-feira, 22 de julho de 2014

Correcções durante o combate

   Imaginem que estão num estágio internacional a fazer kumite com alguém que nunca viram. Ele baixa para zenkutsu-dachi e anuncia que vai atacar chudan o'zuki. Rapidamente pensam que o ataque será algures na barriga e preparam mentalmente um gedan barai. Ele sai rapidamente e lança-vos um ataque ao peito. A defesa falha e o ataque atinge-vos sem qualquer resistência. Agora têm duas opções.

Opção A:
"Pára tudo! Então você disse-me que ia atacar chudan e manda-me um tsuki quase no pescoço? Então mas isso faz-se? Vá vá, ataque-me lá como deve ser aqui na barriga e devagarinho para eu conseguir defender."

Opção B:
Não dizem absolutamente nada, recordam-se que chudan significa o tronco inteiro e adaptam-se o melhor que podem ao oponente de forma a conseguirem defender o próximo ataque, venha ele mais alto ou mais baixo que o que estão habituados.

   Claro que a opção mais correta, mais honrosa e mais guerreira é a segunda, mas entristece-me ver praticantes experientes ainda cometerem este erro. Por mais vontade que tenham em corrigir o oponente durante o kumite, por favor não o façam com palavras mas sim com uma atitude recta que melhor se encaixe no seu perfil.
 
   Já dizia o Mestre Funakoshi num dos seus princípios:

Hitotsu, tekki ni yotte tenka seyo
Primeiro, ajusta-te ao teu oponente.

Mestre Funakoshi (esq) em kumite.

segunda-feira, 21 de julho de 2014

Calcanhar de Aquiles

   Dizia-se que Aquiles era um semideus invulnerável em todo o seu corpo menos no calcanhar, onde acabou por ser ferido e, consequentemente, morto. A lenda do calcanhar de Aquiles foi sendo passada ao longo da História como o ponto fraco de alguém, mas talvez haja um outro significado.
   No Karate (e certamente nas outras artes marciais) há uma postura perigosíssima que nunca devemos assumir. Essa postura surge quando depositamos todo o nosso peso nos calcanhares de tal forma que estamos mais inclinados para trás do que para a frente. Se fizermos isto estaremos derrotados antes de qualquer confronto. Com o peso nos calcanhares não conseguimos avançar perante o perigo e estamos tão vulneráveis que qualquer ataque nos fará cair para trás.
   Quem sabe se a lenda do calcanhar de Aquiles não foi uma forma de os guerreiros passarem de geração em geração a mensagem de que depositar o peso nos calcanhares significava a morte do artista?

sexta-feira, 18 de julho de 2014

Não quebra!

   O treino está a ser duríssimo, o calor insuportável, já ninguém fala, e o mestre diz que vamos repetir tudo outra vez. Ao ouvir isto temos duas opções. Ou continuamos ou quebramos. Não há meio termo.
   Se continuarmos é porque descobrimos algo em nós que desconhecíamos, uma coragem nova, uma força esquecida. As pernas podem falhar, podemos até cair de joelhos, mas se pendermos para a frente com sofrimento no olhar, então aí é que estamos realmente em apuros porque o que se seguirá será ainda pior. Voltar a erguer-nos depois de termos quebrado é terrivelmente difícil. Certamente muito mais difícil que aguentar o treino sem desistir. E pode até ser perigoso. Sem querer saltar para o extremo em que defendemos alguém e a nossa desistência será fatal para essa pessoa, imaginemos o seguinte cenário: Estamos a fazer espargata sem levarmos as mãos ao chão. Está a doer, claro, mas conseguimos aguentar, descemos mais um pouco, o joelho, é sempre aquele maldito joelho, mais um pouco, só apetece parar, mas o chão já se aproxima, quase que lhe conseguimos tocar, só mais um pouco, a concentração vacila, os joelhos gritam, dobramos e atiramos as mãos ao chão. Quebrámos a concentração e, a custa disso, os ligamentos do joelho.
   O corpo pode queixar-se, tem esse direito, mas cabe à mente ouvir as birras e mesmo assim mostrar-lhe que é possível ir mais longe, muito mais longe.

Monge a dobrar um par de lanças encostadas à garganta.

quarta-feira, 16 de julho de 2014

Postura natural

   Karate pode parecer confuso no início. Então mexo como? Primeiro a mão ou a perna? E olho para onde? E ponho os pés como? E as costas, ficam assim?
   Para quem está a começar, estas podem ser questões pertinentes mas, no fundo, devemos mover-nos o mais naturalmente possível. Imaginem o seguinte cenário:
   Encontram um amigo na rua e vão cumprimentá-lo com um aperto de mão.
   Primeiro fazemos o quê? De certeza que não olhamos para o chão para ver se temos os pés bem colocados, nem sequer avançamos todos curvados para tentar chegar mais longe, nem muito menos mandamos o corpo primeiro para chocar contra ele e só depois é que enviamos a mão, e o olhar de certeza que não está exageradamente focado nele como se o quiséssemos morder. Se no dia a dia agimos naturalmente, primeiro mente, depois mãos, depois corpo, então porque é que no karate havia de ser diferente?


   Já dizia o Mestre Gishin Funakoshi num dos seus princípios:
Posturas formais são para principiantes; depois deve-se estar naturalmente.

terça-feira, 15 de julho de 2014

Autodefesa

   Hoje em dia fala-se muito em autodefesa. No fundo o que se passa é o seguinte: Temos medo e vamos à loja comprar uma arma para nos sentirmos mais seguros. É isso que é ter aulas de autodefesa. Podemos não saber disparar, nem saber quando disparar, mas agora temos uma arma. Como em tudo na vida, tomar decisões com base no medo é extremamente perigoso para nós e para os outros.
   A verdadeira autodefesa não funciona. Na sua premissa está a ideia errada de que estamos desligados dos outros e podemos salvar-nos e eles morrerem sem que isso nos afecte. Se o nosso objectivo for apenas defender-nos a nós próprios, então o quer que seja que nos atacou irá imediatamente atacar quem está à nossa volta. E viver com a culpa será sempre pior do que se tivéssemos enfrentado o perigo e sido feridos no processo.
   Devemos proteger-nos, mas essa não pode ser a nossa prioridade, porque se for, iremos recuar ou até desviar-nos do ataque, e a pessoa que está atrás de nós, aquela que queremos proteger, sofrerá com isso.
   Mas também não podemos avançar cegos perante o perigo, confiando parvamente que tudo correrá bem e que um escudo invisível nos protegerá. A verdadeira coragem não é isso. A verdadeira coragem é conhecer totalmente as consequências que poderão vir se o enfrentarmos - e mesmo assim avançar.


   Mas se ainda assim insistirmos nisto da autodefesa, há de facto algo que podemos fazer: Evitar sítios e pessoas negativas. Ter uma alimentação saudável. Fazer exercício físico ao ar livre. Dosear a televisão e outras formas de entretenimento. Exercitar a mente com bons livros. Ter uma atitude positiva. Isto é a única autodefesa que realmente funciona.

sábado, 12 de julho de 2014

Causa e Efeito

   Causalidade é uma coisa tramada.

   Imaginem que têm uma torneira a pingar (causa) e não conseguem dormir (efeito). Podem tapar os ouvidos, mudar de quarto, construir paredes mais grossas, ligar a música, revestir as paredes com isolante ou… fechar a torneira. No karate passa-se algo muito parecido.

   Podemos passar o dia inteiro a corrigir pequenos pormenores: a posição das mãos, a fluidez entre os movimentos, a firmeza nos ataques, o ângulo dos joelhos, a forma como os pés tocam o chão, a direcção do olhar, a altura a que os pontapés chegam, a forma como se salta, acreditem, isto não tem fim. E não tem fim porque cada pessoa que está sentada a avaliar vê de forma diferente o mesmo problema. E o problema é que a pessoa que está a treinar esqueceu-se que está em combate, e que tem que atacar de forma nobre, e tem vidas que dependem dela. A falta desta atitude está na causa da maioria dos pequenos problemas. Podemos passar a vida inteira a corrigir efeitos, ou podemos focar-nos na verdadeira causa.


quinta-feira, 10 de julho de 2014

Exames e desafios

   Os exames de passagem de cinto são como importantes rituais de transição. Em vez de os vermos como uma oportunidade para ficarmos nervosos em frente a um júri, devíamos encará-los como períodos de introspecção profunda: o que já alcançámos e o que ainda nos está a escapar.

   Os exames são alturas de crescimento que costumam vir  acompanhados de desafios, idealmente aqueles que o discípulo está a enfrentar naquela etapa do caminho. Se não consegue deslizar, então terá que lançar o tsuki muito mais longe; se tem dificuldade em controlar-se, então chumba se tocar no adversário durante o kumite; se precisa de reforçar a ligação com o céu, então terá que erguer o queixo e enfrentar adversários em todas as direcções.
 
   Mas há muitas formas de avaliar o progresso de alguém. Por exemplo, basta a pessoa caminhar até ao centro da sala e fazer saudação que já temos uma boa ideia do que se seguirá. Caminhar cabisbaixo, com os pés mal assentes, fazer saudação todo curvado, ajeitar o kimono e esquecer-se do nome da kata... pronto, obrigado, pode ir sentar-se.

   Se estamos demasiado preocupados com o deslizar, o chegar mais longe, o dobrar mais o joelho, então provavelmente não estamos preparados para ir a exame porque o que realmente conta é muito mais difícil, e é totalmente mental. Enfrentarmos o medo quando estamos sozinhos; confiarmos em nós próprios quando somos postos à prova. Contra isso basta-nos erguer o queixo e avançar corajosamente.
    Isso sim é um bom exame.


   
   

terça-feira, 8 de julho de 2014

Constituição septenária do ser humano


lsdex.tumblr.com
   Imaginem por um instante que aquilo que são é muito mais que o que vêem quando se olham ao espelho. Imaginem que além de uma componente física, existem ainda mais seis componentes e todas elas estão interligadas e são necessárias para vos constituir. E imaginem ainda que a vossa consciência é como um elevador que viaja dentro destes níveis. Se escolhermos, podemos passar a vida inteira no rés-do-chão, sozinhos, imóveis, sem qualquer sentimento. Esperem, na verdade não. É impossível viver apenas neste nível porque precisamos do nível seguinte para estarmos vivos.
   Quando alguém morre, essa pessoa fica fria porque há algo que abandona o seu corpo. Mas ainda assim somos um pouco mais do que corpos com energia. Temos emoções básicas como a fome, a sede, as paixões instintivas que nos atraem ou repelem. Temos ainda sentimentos mais complexos como a honra e o dever.
   Mas, mais uma vez, somos um pouco mais. Temos uma mente poderosíssima que nos permite comparar, especular, calcular. Esta mente está ligada também aos medos, aos ciúmes, aos egoísmos. É ela que nos permite encaixar o mundo num molde dual: mais, menos, quente, frio, branco, preto, masculino, feminino. Quando uma pessoa morre, tudo isto fica para trás, a nossa personalidade desaparece, e segue o indivíduo, aquele que é indivisível.

   Se escolhermos, podemos manter o elevador da consciência em baixo, podemos apenas existir, mexer, sentir, pensar. Mas se quisermos, podemos viver um pouco mais, e aperceber-nos do que está lá junto ao céu.

   Mas antes do céu, falta-nos trabalhar muito a terra.

   Quis falar nisto porque cada vez mais me parece que as pessoas vêem o corpo físico como a totalidade do seu ser, e por isso dão-lhe tanta importância que se esquecem de tudo o resto. O que sentem e pensam é igualmente real, como um segundo e terceiro corpo que tem que ser limpo, nutrido e cuidado se não fica doente. Tenham mais atenção a isto e vão ver que se vão sentir muito melhor.

quinta-feira, 3 de julho de 2014

Competição e Mutualismo

   Em Ecologia estudam-se as interacções das diferentes espécies umas com as outras e com o seu ambiente. Existem muitos tipos de interacções mas, para simplificar, podemos agrupá-las da seguinte forma: podem ser prejudiciais, benéficas ou neutras para a espécie em questão. E claro que esta simplificação também é válida para as interacções entre seres humanos. Parasitamos alguém quando nos aproveitamos dessa pessoa, seja em termos emocionais, monetários ou de qualquer outra forma, mas apesar de lastimoso, ao menos assim há alguém que sai a ganhar. O mesmo não acontece na competição. Aqui perdem os dois. Então porque é que toda a sociedade parece montada sobre esta relação? Desde o ensino ao trabalho e até no desporto, o objectivo parece ser sempre ficar à frente do parceiro do lado.

Competição - ninguém ganha, todos perdem.
   No Shotokai não participamos em torneios nem outras formas de competição por considerarmos que ela é prejudicial e contrária à filosofia do Karate. Basta ver os princípios do Mestre Gishin Funakoshi para percebermos que o Karate não é para ser aplicado num ringue mas sim fora dele, com toda a gente, durante a vida inteira.

Competição não é Karate, é selvajaria.

   Se precisamos de sobrepor-nos ao outro para nos sentirmos bem, então algo não está certo e devíamos pensar séria e friamente no porquê. Será falta de confiança ou auto-estima; necessidade de convencer os outros daquilo que não somos; falta de ligação connosco, com os outros, com mundo? Será que nos esquecemos que somos irmãos e estamos juntos nesta pequena pérola azul?

Mutualismo - baixar o ego para benefício de todos.
   Se no final ganharmos e todos os outros perderem, então de que serviu o nosso esforço? O ideal seria conseguirmos pôr de lado o nosso ego para transformarmos a competição em mutualismo, uma relação onde ambas as partes saem a ganhar.


terça-feira, 1 de julho de 2014

Shizentai

www.karate.bielsko.pl
   Existem variadíssimas posturas no karate, mas a mais simples e, ao mesmo tempo, mais difícil, deve ser a Shizentai (自然体). A palavra significa simplesmente "postura natural do corpo" mas para chegar a esse estado mental é preciso muito. Só agora começo a perceber um pouco da parte mental, mas já posso falar do resto:

   Os pés devem estar bem assentes no chão, mais ou menos à largura dos ombros, paralelos e apontados para a frente. A força não deverá estar concentrada nem nos dedos nem no calcanhar. Algures na parte da frente é o ideal.
   As pernas devem estar ligeiramente arqueadas e contraídas.
   O tronco, os ombros e os braços devem estar totalmente relaxados, prontos para sair.
   Devemos focar a atenção não só no adversário mas também no que nos rodeia.
   Para não vacilar, ajuda bastante imaginar que a vida de alguém muito importante depende de nós.

   Shizentai pode também ser chamado de Hachiji-dachi e, apesar de haver pequenas diferenças de estilo para estilo, nomeadamente na posição dos pés e na contracção ou não dos braços, a função parece-me ser a mesma: Aguentar o pé, venha o que vier.