quinta-feira, 21 de julho de 2016

Como uma pena

   Na Vida, tudo segue uma certa ordem. Primeiro as coisas são rápidas, depois terminam lentas. Primeiro são impulsivas, depois mais ponderadas. É assim na Vida e é assim no Karate. Por isso é que todos os movimentos devem ser controlados no final. É a isso que muitos chamam erradamente kime. Devemos ter autocontrolo sempre, tanto em kumite como em kihon e kata. Nestes dois, percebe-se pela fluidez dos movimentos, se começarem rápidos e terminarem leves e silenciosos como a pena que toca a superfície do lago. Tomem consciência de cada movimento, e pode ser que descubram novas formas de evoluir.
   


quinta-feira, 28 de abril de 2016

Treino diário

   Mestre Gishin Funakoshi escreveu num dos seus princípios que "Karate é como água a ferver, sem calor volta a ficar tépida". Isto diz-nos que é necessário um treino constante e gradual, para que haja alguma ebulição na nossa alma.
   Como me disse uma vez um grande mestre e amigo, ninguém se torna pianista a praticar apenas uma vez por semana. Para nos apercebermos dos pormenores, para enfrentarmos o dragão do quotidiano e para não deixarmos nunca a água arrefecer, é necessário uma prática constante. Isto pode ser um taiso ao acordar, manter o zanshin durante uma reunião, procurar o shizentai na paragem do autocarro, ou todos os anteriores.

   Karate é uma busca vitalícia, e pode ser aplicado em tudo; aí reside a sua beleza.


sexta-feira, 25 de março de 2016

Chave Mestra

   Existem incontáveis portas no Karate, e todos nos esforçamos por abri-las. Cada porta é uma kata, uma técnica, um sentimento, algo que não compreendíamos quando pela primeira vez baixámos ao chão e fizemos saudação. São estas portas que nos vão chamando, continuamente, ao longo dos anos. É normal sermos barrados e ficarmos anos a tentar abri-las.

   O tsuki perfeito é uma dessas portas, e quem pode dizer que a abriu completamente?   

   Podemos passar a vida inteira a treinar para abrir a porta que temos à nossa frente, e depois de descobrirmos a chave, recomeçamos do início, face à porta seguinte.

   Este é um Caminho, mas não haverá outro?

   A chave mestra é a chave que abre todas as portas. A isto chamamos os princípios. No Karate existem vinte, escritos por Gishin Funakoshi, mas podemos tentar simplificá-los:
  1. Verticalidade - ligação com o Céu e com a Terra.
  2. Impulso - de avançar
  3. Ligação - com tudo, com todos.
   Podemos passar a vida a coleccionar chaves, esperando que um dia isso nos permita um vislumbre da Chave Mestra, ou podemos ir forjando-a desde o primeiro dia, para podermos com ela abrir todas as portas que vamos encontrando. Um dos caminhos é longo e demorado, o outro parece-me bem mais rápido.


Uma chave abre muitas portas



terça-feira, 8 de março de 2016

Mulheres Guerreiras

   Em tudo existe uma dualidade, um masculino e um feminino. E esta dualidade inerente a toda a manifestação é algo profundo, que vai muito além das formas. Ainda que seja verdade que não há ninguém totalmente masculino nem totalmente feminino, continua a ser inegável que tais energias existem e é o seu equilíbrio que traz harmonia ao mundo.

   Se antigamente as mulheres eram tão separadas da realidade que se transformavam em bonecas de exibição, também é verdade que sempre houve uma classe de mulheres guerreiras que desafiavam as tendências e, sem perder a feminilidade preciosa que as caracterizava, tinham a força e a vontade de lançar mãos às armas e proteger quem delas mais precisava. Exemplo disso são as onna-bugeisha, guerreiras japonesas e mestras em Naginata, lança com uma lâmina longa na ponta.

   Era costume oferecer naginata às mulheres dos samurais como prenda de casamento, para que pudessem proteger a casa depois dos homens terem morrido em batalha.


Video demonstrando Naginata-jutsu.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

O dragão do quotidiano

   Mais tarde ou mais cedo, todos os praticantes de Karate enfrentaram o mesmo dragão. Este dragão está já dentro de nós, e ainda que pareça adormecido, será a própria vida quotidiana que o fará despertar. Poderá acontecer num dia de chuva onde estejamos mais abatidos, ou num dia de sol especialmente inspirador. Poderá ser pela família, pelos amigos, ou pelo trabalho. Este dragão é a prova que devemos superar, pois se não o fizermos, este será o dia em que desistiremos do Karate.

   A vida dá muitas voltas, e todos andamos à procura de algo. Se começámos a treinar Karate, foi porque ele nos trazia parte desse algo. Podemos achar que já vimos o suficiente, que agora o nosso caminho é outro, e ainda que isso seja uma escolha perfeitamente válida, será que é mesmo esse o caso? Não estaremos apenas a fugir do dragão que nos aguarda no caminho?

   Há muitas provas no Karate, e elas costumam vir disfarçadas com as máscaras mais mundanas.

Smoky Dragon, por Disse86

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Na altura apropriada...

   Muitas vezes ficamos frustrados ao barrarem-nos o acesso a algo para o qual julgávamos estar preparados. Quer seja uma técnica avançada ou conhecimento profundo, é normal que a acompanhá-los venha um manual com pré-requisitos e instruções. E para compreender esse manual, há ainda que saber ler primeiro. Tudo tem uma ordem, uma altura ideal, e ser exposto a uma verdade cedo demais pode trazer consequências graves para nós e para os outros. Podemos achar que já compreendemos o que nos foi ensinado e queremos transmiti-lo rapidamente, transformando uma verdade mal digerida em algo ainda pior; ou então podemos nem sequer compreender, e essa dúvida irá consumir-nos por dentro como um ratinho esfomeado. Há que ter paciência. E sempre que o nosso mestre se recusar a responder a uma das nossas pergunta, relembremos que é apenas para o nosso bem.




sábado, 30 de janeiro de 2016

Ataque ou Defesa?

   Quando perguntavam ao Mestre Murakami se o morote uchi uke é um ataque ou uma defesa, ele respondia simplesmente: Sim.

Morote Uchi Uke
(karate-blog.net)
   Isto porque, no Karate, todas as defesas são também ataques. Se o adversário ataca e limitamo-nos a bloquear, então tudo continuará desequilibrado e o mais certo é ele aproveitar o impasse para atacar novamente. Se, pelo contrário, pouparmos movimentos e mostrarmos ao nosso adversário que foi um erro ter atacado, e que apenas queremos o seu bem, então a defesa transformada em ataque será eficaz.
  

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Embrulhada

   Todos temos um Caminho nesta vida, mas o caminho não segue livre de resistências. Os desafios que encontramos dão-nos direcção, mostram-nos o sentido, e muitas vezes adquirem forma de gente. Elas também têm o seu Caminho e devemos honrá-lo e reconhecê-lo como tal. É ao encontrar estes desafios em formato de gente que devemos lembrar-nos do kumite, não fosse a palavra significar união de mãos.

   Quando um decide atacar e o outro decide defender, ambos avançam mas não chocam. As suas vontades atravessam-se mas continuam ligados um ao outro. Se, pelo contrário, baterem violentamente e ficarem ali embrulhados, demasiado próximos ao ponto de se sentirem desconfortáveis e em perigo, nem o ataque nem a defesa foram profundos o suficiente.

   Devemos focar-nos no real, no que realmente importa, e atacá-lo com total honra e justiça. Se nos prendermos às formas que se nos apresentam, estaremos focados no vidro que compõe a janela, não na paisagem que se estende para lá do horizonte.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Código Bushido

   Bushido (武士道) é uma palavra japonesa formada por três kanjis.

  • 武士 (bushi), significa guerreiro, samurai
  • 道 (dou) significa, o Caminho.
   Juntos querem dizer o Caminho do Guerreiro Samurai mas, como à frente veremos, este é também o caminho do Cavalheirismo.

      Nota: O kanji 道 (dou) é o mesmo encontrado nas palavra Karate-do, Kendo, Judo, etc...

  O Bushido teve início nos tempos de paz vividos durante o xogunato de Tokugawa, embora haja quem afirme que este foi construído tendo como base uma tradição muito mais antiga. Indo beber à sabedoria Neo-confuciana, ao Budismo Zen e ao Xintoísmo, a conduta do Bushido é sinónimo de frugalidade, lealdade, mestria das artes marciais e honra até à morte.

   A palavra foi inicialmente usada no Japão durante o século 17 e tornou-se popular após a publicação em 1899 do livro Bushido , A Ética dos Samurais e a Alma do Japão, de Nitobe Inazō.

   É neste livro que encontramos o código do Bushido, simplificado através das oito virtudes pelas quais todos os guerreiros devem viver. São elas: Justiça, Coragem, Benevolência, Cortesia, Honestidade, Honra, Lealdade, Autocontrolo.

Curiosamente, das mil imagens que encontrei, todas se esqueceram do autocontrolo.

Gi - Justiça
    Gi (義) significa justiça, recta acção, integridade nas próprias decisões. Dar a cada um aquilo que lhe corresponde. Nem mais, nem menos. Gi é avançar decididamente e atacar quando é altura de atacar, e morrer quando é altura de morrer. Não desviar ataques nem atacar com demasiada força .

   Ser justo é mais difícil do que parece, pois não se resume apenas a desempenhar acções boas ou acções más.

   Justiça leva-nos até à harmonia presente no Caminho do Meio, aquele que se encontra equilibrado entre os dois abismos, o da total inacção e o da extrema reacção.




Yu - Coragem
   Yu (勇) significa coragem. Coragem para enfrentar o perigo, o desconhecido, o destino que nos aguarda, mas, acima de tudo, coragem para nos enfrentarmos a nós próprios, os nossos medos, as nossas limitações.

   Como já nos dizia Confúcio:
Ver o que está certo e não o fazer, mostra falta de coragem.

   Isto leva-nos a concluir que Coragem e Justiça vêm juntas, e é preciso Coragem para aplicar Justiça.

   Sendo um tema tão importante e recorrente no Karate, não admira que já tenha sido tratado neste blogue.



Jin - Benevolência
   Jin (仁) significa benevolência, mas também quer dizer humanidade e caridade.

   Jin é fazer o bem, o justo, o certo. Jin é dar antes de receber.

   Segundo Confúcio, é na benevolência universal que se encontra a chave para o progresso social, e deve ser aplicada não apenas do súbito para o soberano, mas também ao contrário.





Reigi - Cortesia
   Reigi (礼儀) significa Cortesia, e vendo bem os kanjis, percebemos que é a cerimónia do agradecimento, o acto do respeito.

   Reigi implica uma forma cuidada e uma maneira correcta de agir uns com os outros, não apenas quando na presença do sexo oposto.

   Muito mais do que abrir a porta para a dama passar, ou receber educadamente o cavalheiro, na sua forma mais alta, Reigi aproxima-se do verdadeiro Amor.



Makoto - Sinceridade
   Makoto (誠) significa Sinceridade, e sinceridade implica ser-se verdadeiro connosco, com os outros, com o mundo inteiro. Verdadeiros com o que sentimos, verdadeiros com o que pensamos, e para isso é preciso cada uma das outras virtudes.

   Como nos diz Confúcio, Sinceridade é o início e o fim das coisas. Sem sinceridade não haveria nada.






Meyo - Honra
   Meyo (名誉) significa Honra, e ela mostra-nos que o Bushido vai muito além do campo de batalha. Para um Samurai, manchar a sua honra seria um destino pior que a morte.

   Meyo é um sentimento de dever, de dignidade, de justiça. Implica uma forma de pensar e agir que suscita o respeito e a admiração dos outros.

   Meyo é muitas vezes associado à alma prudente, recatada, que age na medida certa. Reagir bruscamente à mínima provocação seria ridicularizado como sinal de irascibilidade.




Chugi - Lealdade
   Chugi (忠義) significa Lealdade. Lealdade a um líder mas também a uma causa.

   Lealdade exige uma mente segura e resistente às ilusões do mundo; implica uma vontade e um serviço que transcendem o próprio ego.

   A maior forma de Lealdade não é apenas relativa ao indivíduo, mas sim àquilo que ele representa.

Lealdade implica um compromisso da alma.





Jisei - Autocontrolo
   Jisei (自制) significa Autocontrolo. Nenhuma das outras virtudes seria aplicável se não existir em cada um uma vontade inabalável de controlar as próprias acções, pensamentos e desejos de forma a oferecer ao mundo apenas o melhor que há em nós.

   Auto-controlo implica auto-conhecimento, a famosa frase "Conhece-te a ti mesmo" que devia ser acompanhada do "mas não te desiludas."

   Auto-controlo relembra-nos da existência de uma mente superior, dotada dos valores mais altos, e de uma mente inferior, preocupada e com a sobrevivência. Ambas são essenciais, mas uma deve prevalecer face à outra.


terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Descomplicar

   Encontrava-me a meio do treino e tudo corria normalmente. O sensei dava as vozes, o senpai ia ajudando, e nós fazíamos as técnicas o melhor que podíamos. E foi no meio de tanta normalidade que me apercebi que o que estava ali a acontecer era tudo menos vulgar. Ali estavam várias pessoas de diferentes idades e passados, amigas, unidas, treinando corpo, mente e espírito com o único propósito de serem melhores, mais simples, mais genuínas. Recebiam conselhos, ajudavam-se mutuamente, não havia aquela preocupação paralisante que acompanha a técnica mal feita; apenas uma simples e sincera vontade de melhorar.

   É esta sensação de acordar, esfregar os olhos e ver o que realmente é - não o que achamos que é - que procuro explorar nesta publicação.

   E, se tudo isto parecer distante e estranho para alguns, então experimentem focar-se brevemente apenas nas aparências. Karate é fixe; usamos roupas fixes; fazemos técnicas fixes. Perdoem-me a expressão, mas é esta inocência que quero expor. Esta percepção de criança que infelizmente vamos perdendo. Quando treinamos há já algum tempo, deixamos de ver as coisas da mesma maneira, e ainda bem que assim é, mas tentemos manter as complicações fora do dojo e não percamos a felicidade que sentíamos nos primeiros treinos.

Isto é Karate, não faz mal sorrir.
Fonte: derbymartialarts.co.uk

quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

Preparar, resistir e acompanhar

   Preparar, resistir e acompanhar. Mente, corpo e alma. Todos as técnicas deveriam passar por estas etapas.
  • Preparar relaciona-se com o Irimi, o estar atento e disponível para responder às necessidades. Implica uma sensibilidade elevada, que por trabalhar juntamente com uma mente rápida, é capaz de antecipar o que será necessário e responder prontamente da forma mais eficaz. Se vai ser preciso, eu já lá estou.
Preparar
  • Resistir é uma capacidade do corpo que, inspirada pela Vontade, não permite que ele fraqueje quando as circunstâncias se tornam adversas. É decidir o próprio destino, não aquele que nos foi imposto. É levantar a perna no mae-geri e baixar o pé somente quando a mente quer, não quando o corpo desiste.
Resistir

  • Acompanhar é seguir de perto as consequências das nossas acções. É estar ligado ao nosso companheiro depois de termos respondido ao seu ataque. Acompanhar é talvez o mais difícil dos três, pois a tendência será sempre querer passar para a actividade seguinte, e ainda que a certa altura isto seja necessário, não o devemos fazer cedo demais.

Acompanhar